Anos Formativos: Seminário e Sacerdócio
Em 1925, então com 12 anos de idade, o Padre Moure foi estudar no Seminário
Claretiano, em Curitiba, de onde, em 1929, seguiu para o Seminário Maior
Claretiano, em Rio Claro. No período de 1929 a 1932, obteve sua formação
superior em Filosofia, Ciências Naturais, Física e Matemática.
Foi nessa época que ocorreu sua primeira aproximação com as ciências
naturais, em particular a Botânica. Conta com orgulho da monografia de História
Natural por ele realizada sobre a flora encontrada na área do Seminário
Claretiano em Rio Claro, Pugillus Plantarum Rioclarensium. Nesta época
também, em companhia do colega de seminário Francisco Pereira, o Padre Pereira
dos escarabeídeos, aproveitava os poucos momentos de folga para coletar insetos.
Nesta fase aprendeu latim, grego, francês, espanhol e hebraico, o que lhe foi
muito útil na vida científica, possibilitando ler as descrições das espécies
feitas pelos autores antigos do século XIX e ter completa desenvoltura para
propor nomes para suas abelhas. Mesmo um rápido exame dos nomes científicos por
ele propostos revela sua predileção pelo grego, o que resultou em muitos nomes
que à primeira vista parecem impronunciáveis, como por exemplo Ariphanarthra,
Alepidosceles, Colocynthophila, Compsoclepta, Ctenosibyne e Pachyceble.
Em 23 de maio de 1937, em Guarulhos, na cidade de São Paulo, recebeu a
Ordenação Sacerdotal pela Ordem dos Claretianos. Sua dedicação ao sacerdócio
permite entender também porque as iniciais 'CMF' aparecem associadas ao seu nome
em grande parte de suas publicações (1938 a 1975). Estas iniciais são uma
abreviatura da expressão Cordis Mariae Filii ou Filhos do Coração de
Maria, como são chamados os sacerdotes da Ordem Claretiana.
Professor e Cientista
No período que se encontrava em São Paulo, em 1937, entrou em contato com
entomólogos do Museu Paulista, em particular Frederico Lane. A partir de
auxílios como tradutor de textos entomológicos em latim, aproximou-se da
taxonomia de insetos. Sua primeira publicação, em colaboração com Lane, apareceu
em 1938. Publicou mais dois trabalhos com Lane, em 1938 e 1940. Estes três
artigos representam sua brevíssima incursão pela taxonomia dos besouros.
De volta a Curitiba, passa a lecionar no Seminário Claretiano em 1938,
tornando-se também naquele ano professor fundador da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Curitiba, que mais tarde seria integrada à Universidade do
Paraná, federalizada em 1950. Logo se associou ao Museu Paranaense, uma
instituição mantida pelo governo do Estado do Paraná, assumindo a Diretoria da
Divisão de Zoologia em 1939 e, posteriormente, como Diretor do Museu entre 1952
e 1954.
A produtiva carreira como sistemata de abelhas começou também nessa época. O
estímulo inicial veio do próprio Lane, que reconhecia a importância da coleção
de abelhas do Museu Paulista, então abandonada desde a saída de Curt Schrottky,
no início do século. Em 1940, o Padre Moure publica seu primeiro trabalho com
abelhas, intitulado Apoidea Neotropica, o primeiro de uma série de três
artigos tratando principalmente de halictíneos. Esses trabalhos iniciais já
revelam as características que marcam sua atuação como sistemata: seu olho
clínico para detalhes morfológicos, permitindo separar facilmente grupos que até
então tinham recebido apenas definições vagas pelos autores prévios, e sua
atenção para mensurações e proporções. Além de várias novas espécies, alguns
gêneros novos são também propostos, como Habralictus, Paroxystoglossa e
Thectochlora. Aqui também é fácil reconhecer sua marca registrada-a adoção
de conceitos restritos para os grupos tratados como gêneros em abelhas-uma
abordagem incompreendida por muitos melitólogos que ainda o consideram um
splitter.
Além de atuar como professor e cientista, o Padre Moure mantinha também uma
intensa vida como sacerdote. Muitos de seus colegas do mundo científico
aproveitaram-se desta duplicidade da vida do Padre Moure. Já que seu colega era
padre, porque não ter o casamento consagrado por ele?! O Padre Moure se tornou
um casamenteiro bastante requisitado. Celebrou o casamento de Prof. Ronaldo
Zucchi, Prof. Lionel Gonçalves, Prof. João Camargo, entre muitos outros.
Colaboradores
Em 1948, ainda no início de sua carreira, o Padre Moure já tinha publicado 25
trabalhos, a grande maioria deles sem envolver co-autoria com outros
pesquisadores. A partir de 1950, estabelece fortes colaborações com
pesquisadores brasileiros e estrangeiros, nesse período inicial em particular
com Warwick Estevam Kerr e Paulo Nogueira Neto.
Um de seus grandes amigos e também colaborador é o Prof. Charles Michener, da
Universidade de Kansas. O primeiro contato entre eles ocorreu quando Michener
preparava sua revisão sobre as abelhas do Panamá, publicada em 1954. Pouco
familiarizado com a complexa fauna neotropical, Michener recorreu ao Padre
Moure, que nesta época já possuía uma ampla visão sobre a sistemática de abelhas
de toda a região Neotropical. A vinda do Prof. Michener e sua família ao Brasil,
que permaneceram em Curitiba de junho de 1955 a julho de 1956, permitiu que a
colaboração entre eles se concretizasse na forma de importantes revisões de
grupos neotropicais de abelhas, como as tribos Eucerini, Exomalopsini e
Tapinotaspidini, publicadas entre 1955 e 1957.
O Padre Moure manteve também extensa colaboração com Paul Hurd, com quem
realizou uma extensa revisão mundial de todos os subgêneros de Xylocopa,
publicada em 1963, e mais tarde um catálogo completo para os halictíneos do Novo
Mundo, publicado em 1987.
Entre seus colaboradores mais recentes devemos destacar dois de seus
ex-alunos: a Profa. Danúncia Urban e o Prof. João Camargo, que fizeram carreira
brilhante na sistemática das abelhas. O mundo dos Eucerini e Anthidiini da
América do Sul foi todo desvendado graças aos esforços da Profa. Danúncia; e
para os meliponíneos, não há quem desconheça o talento e os trabalhos
maravilhosos do Prof. Camargo.
Pioneirismo
O Padre Moure participou da fundação da SBPC, CNPq e Capes, ou seja
simplesmente dos principais órgãos relacionados à pesquisa e ciência do país até
hoje. Relembra com entusiasmo de sua viagem a Campinas, SP, em companhia de
Metry Bacila e Marcos Enrietti, para participar da fundação da SBPC em 1948. Não
deixa de fora o detalhe que nesta época a estrada que ligava Jundiaí a Campinas
era de terra!
Ele lutou muito para instalar a pós-graduação no Brasil, pois sabia que isso
nos destacaria entre os países emergentes. De certa forma, pode-se dizer que o
Padre Moure e seus contemporâneos semearam a pesquisa no Brasil. Se hoje temos
uma comunidade cientifica organizada e respeitada internacionalmente, com órgãos
de fomento nacionais e estaduais fortes, cursos de pós graduação em todo
território nacional, devemos este feito à geração do Padre Moure. Eles foram
corajosos, persistentes e sabiam que isso garantiria um futuro melhor para o
Brasil. Sabiam que o País tinha potencial e capacidade para produzir
conhecimento e se tornar aos poucos independente tecnologicamente.
Além disso, o Padre Moure participou da formação da Sociedade Brasileira de
Entomologia, em 1937, e da Sociedade Brasileira de Zoologia, em 1978. Hoje,
estas sociedades possuem, juntas, mais de 900 sócios ativos. O Padre Moure
participou ativamente da criação de um dos primeiros cursos de pós-graduação da
Universidade Federal do Paraná, o de Entomologia, implantado em 1969. Este
programa é altamente conceituado na Capes e, até junho de 2006, havia formado
414 mestres e doutores, sendo que destes, 35 mestres e 12 doutores obtiveram
seus títulos sob a orientação do Padre Moure.
Carreira Internacional
As primeiras viagens realizadas pelo Padre Moure ao exterior ocorreram no
início da década de 1950, quando em visita a instituições argentinas. Durante a
permanência do Prof. Michener no Brasil, eles realizaram uma viagem à Argentina
e ao Chile. Uma grande aventura, principalmente pelos apuros passados quando a
tentativa de atravessar os Andes de carro foi frustrada por uma forte
nevasca.
Quando Michener e sua família retornaram aos E.U.A., em 1956, o Padre Moure
os acompanhou para Lawrence, como professor visitante da Universidade de Kansas.
Uma longa viagem, com parada em Caracas, na Venezuela, para reparos na aeronave
(!), e no Panamá. O Padre Moure permaneceu em Kansas até julho de 1957, tendo
realizado várias viagens a museus norte-americanos nesse período. Foi na
Universidade de Kansas que conheceu Robert Sokal e pode participar do
desenvolvimento inicial da taxonomia numérica. Esse primeiro contato com os
primórdios da taxonomia numérica teve um profundo impacto na carreira
subseqüente do Padre Moure, tanto como professor quanto sistemata. Foi também
durante sua primeira estada em Kansas, que o seu catálogo para as abelhas da
região Neotropical, então levado de Curitiba até lá como fichas manuscritas, foi
datilografado em cartões. Uma cópia carbono dos cartões foi trazida de volta
para Curitiba e os originais permaneceram na Universidade de Kansas, sendo até
hoje lá utilizados!
Por sugestão e suporte do Prof. Michener, foi obtido um auxílio da National
Science Foundation para que o Padre Moure pudesse visitar os museus europeus
contendo material tipo de abelhas neotropicais. De julho de 1957 a agosto de
1958, o Padre Moure viajou pela Inglaterra (Oxford e Londres), França (Paris),
Itália (Gênova, Turim), Suíça (Zurique), Áustria (Viena), Holanda (Leiden),
Dinamarca (Copenhague), Suécia (Estocolmo e Uppsala) e Espanha (Madrid).
Retornou ao Brasil com cerca de 1700 páginas manuscritas com notas de todo o
material visto durante esse período.
Em anos subseqüentes, o Padre Moure realizou inúmeras outras viagens a
diversos outros países, tanto na Europa quanto América do Norte, que permitiram
aprofundar seus estudos do material tipo de nossas espécies de abelhas. No
início da década de 1960, chegou a ser convidado como professor da Universidade
da Califórnia, em Berkeley. A pedido da Fundação Rockefeller, que tinha
contribuído com vários auxílios financeiros para suas viagens e para a UFPR,
declinou da proposta de permanecer nos EUA. Felizmente, podemos dizer agora.
Cursos no Brasil
Por muitos anos, o Padre Moure percorreu todo o Brasil ministrando seus
famosos cursos de Taxonomia Numérica para estudantes em diversos centros de
pesquisa e durante congressos, principalmente os de Zoologia. Não mediu esforços
para difundir as aplicações dos métodos numéricos na Biologia. Quem não se
lembra dos 'cookofitos' do Padre Moure? No final de 1982, mesmo com sua
aposentadoria compulsória, o Padre Moure, então com 70 anos, não deixou de lado
suas atividades como professor. Continuou ativamente ministrando cursos e
intensificou suas visitas aos núcleos emergentes de pesquisa com abelhas que
estavam se estabelecendo pelo País. Esteve por São Luís, Viçosa, São Paulo,
Salvador, Porto Alegre, João Pessoa, Belo Horizonte, Recife, dentre vários
outros centros.
A Família
Jesus Santiago Moure é filho de Miguel Moure Santiago e Maria Santiago Souto.
Seu pai era engenheiro e deixou a Espanha (Galícia), com destino ao Brasil, para
trabalhar na construção das estações ferroviárias da antiga Companhia Mogiana.
Seu nascimento, em 2 de novembro de 1912, ocorreu cerca de dois meses após a
chegada de seus pais ao Brasil. Seu irmão, Manoel Moure Santiago, nasceu dois
anos depois. A infância foi passada em Ribeirão Preto e depois em Santos, onde
estudou as primeiras letras. Com a gripe espanhola, a família deixou Santos e
retornou a Ribeirão Preto. Atualmente, seu irmão, sua cunhada e sobrinhos, por
quem tem muito apreço, vivem em Ribeirão Preto.
Homenagens e Reconhecimento
Seu trabalho como cientista e sua dedicação ao desenvolvimento e expansão da
ciência no Brasil sempre tiveram reconhecimento unânime entre seus
contemporâneos, tanto colegas como discípulos. Em 1961, por indicação de Costa Lima e Lauro
Travassos, ingressou na Academia Brasileira de Ciências, da qual recebeu o
'Prêmio Costa Lima' em 1970. Numerosos outros prêmios e homenagens foram a ele
concedidos, destacando-se as medalhas recebidas durante as comemorações dos 30
anos do CNPq (1981), dos cinqüentenários da Sociedade Brasileira de Entomologia
(1986) e da Capes (2001), o Prêmio 'Frederico de Menezes Veiga' concedido pela
Embrapa (1998) e as mais elevadas condecorações concedidas pelo governo
brasileiro a cientistas-'Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico'
(1995) e 'Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico' (1998). Mais
recentemente, em 26 de abril de 2006, recebeu o Diploma de Pesquisador Emérito
como parte das comemorações dos 55 anos do CNPq.
Merece destaque também a homenagem prestada pelo Departamento de Zoologia
que, em 1982, passou a denominar sua coleção de Entomologia como 'Coleção de
Entomologia Prof. Pe. Jesus Santiago Moure', bem como sua inclusão no livro
'Cientistas do Brasil', publicado durante as comemorações do 50º. aniversário de
fundação da SBPC.
Nos deixou aos 97 anos em 10 de julho de 2010.